Translate

terça-feira, 15 de maio de 2012

A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor



1    Introdução.

A proteção do consumidor foi determinada pela Constituição Federal de 1988, que elevou esta a categoria de direito fundamental, devendo ser obedecida como forma de manutenção da estabilidade da ordem econômica do país, reconhecendo assim a vulnerabilidade do consumidor na relação deste com o fornecedor de produtos e serviços.
O Código de Defesa do Consumidor prevê o acesso do consumidor à justiça, de forma que reconhece que numa relação de consumo, a parte mais fraca é o consumidor diante do fornecedor, seja pelas informações que tem o fornecedor, pelo poder que tem ao conceder os bens ou serviços, ou pelo poderio econômico e social que o mesmo tem perante a sociedade, sendo assim, o CDC foi criado como uma forma de proteger e atender as necessidades do individuo perante a ordem econômica da sociedade.
Assim o Código cuida em tutelar o consumidor devido a sua vulnerabilidade, buscando a paridade na relação de consumo e ainda assim garantindo a isonomia das partes, principio este, previsto na Constituição Federal. O CDC, ainda impede a impunidade e estabelece responsabilidades cíveis, trazendo a certeza de proteção para a sociedade de que o dano causado a esta na posição de consumidor será ressarcido.
O Código de Processo Civil, estabelece que é do réu o ônus de provar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, assim de acordo do art. 333, II, o réu tem apenas, que comprovar que não existem fatos que o impeçam de ter uma tutela que lhe dê garantias quanto aos seus direitos.
Assim para estabelecer uma igualdade entre as partes na relação de consumo e baseado na hipossuficiência do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, estabelece no art. 6º, VIII, que é um direito do consumidor a facilitação da defesa dos seus direitos diante do juiz, incluindo a inversão do ônus da prova a favor do mesmo, quando no processo civil, a critério do juiz, for verossimil a alegação ou ainda quando for o consumidor hipossuficiente.

2    Requisitos para a inversão do ônus da prova.

Para que ocorra a inversão do ônus prova, deverá haver clara a hipossuficiência, que no contexto do Código de Defesa do consumidor, ocorre quando o consumidor se encontra em posição inferior ao fornecedor, estando em desvantagem não apenas econômica, mas geral em relação ao fornecedor, tendo assim dificuldades para comprovar que suas alegações são verídicas, podendo decorrer assim a hipossuficiência de elementos como desconhecimento do produto ou do serviço adquirido.
Assim cabe ressaltar a posição da Doutora Cecilia Matos quanto ao conceito de hipossuficiência que diz: “ o conceito de hipossuficiência como diminuição da capacidade do consumidor, não apenas sob a ótica econômica, mas também sob o prisma do acesso à informação, educação, associação e posição social.” (MATOS, Cecília. “O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor”. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, vol.11; p. 166.).
Pode-se concluir que a hipossuficiência é um condição para a inversão do ônus da prova, onde está configurado o desequilíbrio da relação jurídica diante da dificuldade de uma das partes de comprovar sua versão, sendo assim uma proteção ao consumidor que é a parte mais fraca na relação e por vezes, não tem todos os elementos necessários ao seu dispor, para comprovar suas alegações.
Ainda para que a inversão do ônus probatório, é necessário que seja constatada a verossimilhança para que possa o juiz declarar a inversão do ônus da prova, assim deverá haver indícios de que a versão da parte, seja verdadeira, trabalhando o juiz com relatos do passado, tidos como verdadeiros, levando em conta indícios que possibilitam ao juiz associar um fato comprovado com outro alegado.
Assim, para a inversão das provas é importante que estejam presentes a verossimilhança  ou hipossuficiência do consumidor, como ensina o Professor Humberto Theodoro Junior que diz: "sem basear-se na verossimilhança das alegações do consumidor ou na sua hipossuficiência, a faculdade judicial não pode ser manejada em favor do consumidor, sob pena de configurar-se ato abusivo, com quebra do devido processo legal."  (THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 2ª ed.,Ed. Forense, 2001, p. 134.).
 Ainda mesmo que constatada a hipossuficiência e a verossimilhança das alegações do consumidor, fica a critério do juiz a inversão do ônus da prova, podendo assim o juiz, se achar necessário, seguir o disposto no Código de Processo Civil.

3    Competência para inversão do ônus da prova.

O juiz, analisará com base na incidência de um ou de ambos os requisitos, a possibilidade da inversão da prova, porém a divergência da doutrina quanto ao momento adequado para se aplicar as regras de inversão do ônus da prova, havendo duas correntes que se dividem entre a regra de julgamento e como regra de procedimento.
A inversão do ônus da prova pode ser feita de oficio, conforme posição de Roberto Basilone Leite.
Note-se que a própria norma que atribui ao Juiz a faculdade de inverter o ônus da prova já delimita a margem de discricionariedade a ele reservada: portanto, se a alegação do consumidor for verossímil, o Juiz não pode deixar de inverter o ônus probandi, por se tratar de um direito da parte e não de uma faculdade ilimitada do Juiz. O que cabe ao julgador é unicamente dizer se há ou não verossimilhança na afirmação do autor consumidor, só podendo exigir dele a prova dos fatos Constitutivos do direito se entender que suas alegações são inverossímeis. Por outro lado, quando o consumidor for hipossuficiente “segundo as regras ordinárias da experiência” o ônus da prova inverte-se de plano, por força de expressa determinação legal contida no art. 6°, inciso VIII, do Código, não podendo o Juiz indeferir tal providência.” (LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor. 4 ed., São Paulo, SP: Ltr, 2005, pag. 109).
Ainda pode ser requerida a inversão do ônus da prova pela parte, podendo a mesma solicitar ao juiz, diante da não manifestação do mesmo, que o fornecedor tenha que comprovar que não há direito do consumidor, podendo assim ser invertido o ônus da prova por requerimento ou de oficio do juiz, conforme posição de Carlos Roberto Barbosa Moreira:
“A inversão poderá ser determinada tanto a requerimento da parte, como de ofício: tratando-se de um dos "direitos básicos do consumidor", e sendo o diploma composto de normas de ordem pública (art. 1º), deve-se entender que a medida independe da iniciativa do interessado em requerê-la. Aliás, a interpretação em sentido oposto levaria ao absurdo de fazer crer que o Código, inovador em tantos passos, pela outorga de novos e expressivos poderes ao Juiz, teria, no particular, andado em marcha-ré...” (MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa e outros. Direito Civil e Processo - Estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim. 1 ed., São Paulo – SP: Revista dos Tribunais, 2008, pag. 176).

4    Momento da inversão do ônus da prova.

Há divergência doutrinaria e jurisprudencial quanto ao momento para inversão do ônus da prova, se destacando duas correntes: A regra de procedimento e a regra de julgamento.
Os doutrinários que seguem a corrente da regra de julgamento acreditam que o momento correto para inversão da prova seria anterior a sentença, para que o fornecedor tenha direito de se defender, exercendo assim o devido processo legal e preservando o contraditório, podendo se defender para que não seja proferido pelo juiz a decisão de inversão do ônus da prova, assim entende Humberto Theodoro Junior:
“ No art. 6º, nº VIII, o CDC não instituiu uma inversão legal do referido ônus, mas, sim, uma inversão judicial, que caberá ao juiz efetuar quando considerar configurado o quadro previsto na regra da lei. [...] É certo que a boa doutrina entende que as regras sobre ônus da prova se impõem para solucionar questões examináveis no momento de sentenciar. Mas, pela garantia do contraditório e ampla defesa, as partes, desde o início da fase instrutória, têm de conhecer quais são as regras que irão prevalecer na apuração da verdade real sobre a qual se assentará, no fim do processo, a solução da lide. Assim, o art. 333 do CPC em nada interfere sobre a iniciativa de uma ou de outra parte, e do próprio juiz, enquanto se pleiteiam e se produzem os elementos de sua convicção. Todos os sujeitos do processo, no entanto, sabem, com segurança, qual será a conseqüência, no julgamento, da falta ou imperfeição da prova acerca dos diversos fatos invocados por uma e outra parte.” (THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 2ª ed.,Ed. Forense, 2001, pp. 140 e 141.).
Há posição nesse sentido do Supremo Tribunal de Justiça, que diz:
”[...] - A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida.” (STJ. REsp 881651 / BA. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Data do Julgamento: 10.04.2007. Votação Unânime)
Já a corrente da regra de julgamento, diz que deve a inversão do ônus da prova ser declarada em sentença, uma vez que, trata-se de favorecimento a defesa do consumidor e assim ao não produzir a prova o fornecedor está assumindo um risco por não produzi-la, sendo assim não há para esta corrente qualquer contradição ao principio do devido processo legal, pois a parte teve em momento processual determinado, a chance de produzir provas e não o fez. Adepto a esta corrente, diz José Geraldo Brito Filomeno, na obra de Ada Pellegrini:
A inversão do ônus da prova é direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida". (GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7.ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 130.)
Ainda há posição do Supremo Tribunal de Justiça, que contradiz julgado anterior, se manifestando a favor da regra de julgamento:
“[...] A inversão do ônus da prova, prevista no Art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, é regra de julgamento. – Ressalva do entendimento do Relator, no sentido de que tal solução não se compatibiliza com o devido processo legal.” (Resp 949.000/ES, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2008)
Por se tratar de uma exceção prevista em lei, a corrente majoritária segue a regra de procedimento e assim entende que deve a parte ter direito a se manifestar quanto a inversão do ônus da prova e assim poder produzir as provas que achar necessário para sua defesa, não sendo prejudicado o fornecedor, por exceção prevista em lei, que depende de entendimento do juiz para ser aplicada.

5   Conclusão

Pode se concluir que a inversão do ônus da prova é uma exceção prevista em lei, que pode ser declarada de oficio ou a requerimento da parte, que visa proteger o consumidor mediante o poderio econômico, social e intelectual que o fornecedor tem.
Para que seja declarada a inversão do ônus da prova, deve ser analisado o caso e haver verossimilhança na alegação do autor, ou ainda, deve haver hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor, devendo ser  a declaração da inversão do ônus da prova declarada antes da sentença de forma que possibilite o autor de se manifestar e exercer o devido processo legal 



Bibliografia.
                             
- AGUIAR, Juliana Leite Araujo de. Inversão do ônus probatório prevista no artigo 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Considerações sobre o momento processual mais adequado para sua determinação.Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2604, 18 ago. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17210>. Acesso em: 25 nov. 2011.
- GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7.ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
- LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor. 4 ed., São Paulo, SP: Ltr, 2005.
- MATOS, Cecília. “O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor”. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, vol.11.
- MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa e outros. Direito Civil e Processo - Estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim. 1 ed., São Paulo – SP: Revista dos Tribunais, 2008.
- THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 2ª ed.,Ed. Forense, 2001.

Nenhum comentário:

Postar um comentário