1 Introdução.
A
proteção do consumidor foi determinada pela Constituição Federal de 1988, que
elevou esta a categoria de direito fundamental, devendo ser obedecida como
forma de manutenção da estabilidade da ordem econômica do país, reconhecendo
assim a vulnerabilidade do consumidor na relação deste com o fornecedor de
produtos e serviços.
O
Código de Defesa do Consumidor prevê o acesso do consumidor à justiça, de forma
que reconhece que numa relação de consumo, a parte mais fraca é o consumidor
diante do fornecedor, seja pelas informações que tem o fornecedor, pelo poder
que tem ao conceder os bens ou serviços, ou pelo poderio econômico e social que
o mesmo tem perante a sociedade, sendo assim, o CDC foi criado como uma forma
de proteger e atender as necessidades do individuo perante a ordem econômica da
sociedade.
Assim o Código cuida em tutelar o consumidor devido a sua
vulnerabilidade, buscando a paridade na relação de consumo e ainda assim
garantindo a isonomia das partes, principio este, previsto na Constituição
Federal. O CDC, ainda impede a impunidade e estabelece responsabilidades
cíveis, trazendo a certeza de proteção para a sociedade de que o dano causado a
esta na posição de consumidor será ressarcido.
O Código de Processo Civil, estabelece que é do réu o ônus de
provar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do
direito, assim de acordo do art. 333, II, o réu tem apenas, que comprovar que
não existem fatos que o impeçam de ter uma tutela que lhe dê garantias quanto
aos seus direitos.
Assim
para estabelecer uma igualdade entre as partes na relação de consumo e baseado
na hipossuficiência do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, estabelece
no art. 6º, VIII, que é um direito do consumidor a facilitação da defesa dos
seus direitos diante do juiz, incluindo a inversão do ônus da prova a favor do
mesmo, quando no processo civil, a critério do juiz, for verossimil a alegação
ou ainda quando for o consumidor hipossuficiente.
2 Requisitos
para a inversão do ônus da prova.
Para
que ocorra a inversão do ônus prova, deverá haver clara a hipossuficiência, que
no contexto do Código de Defesa do consumidor, ocorre quando o consumidor se
encontra em posição inferior ao fornecedor, estando em desvantagem não apenas
econômica, mas geral em relação ao fornecedor, tendo assim dificuldades para
comprovar que suas alegações são verídicas, podendo decorrer assim a hipossuficiência
de elementos como desconhecimento do produto ou do serviço adquirido.
Assim
cabe ressaltar a posição da Doutora Cecilia Matos quanto ao conceito de
hipossuficiência que diz: “ o conceito de
hipossuficiência como diminuição da capacidade do consumidor, não apenas sob a
ótica econômica, mas também sob o prisma do acesso à informação, educação,
associação e posição social.” (MATOS, Cecília. “O ônus da prova no Código
de Defesa do Consumidor”. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, vol.11;
p. 166.).
Pode-se
concluir que a hipossuficiência é um condição para a inversão do ônus da prova,
onde está configurado o desequilíbrio da relação jurídica diante da dificuldade
de uma das partes de comprovar sua versão, sendo assim uma proteção ao
consumidor que é a parte mais fraca na relação e por vezes, não tem todos os
elementos necessários ao seu dispor, para comprovar suas alegações.
Ainda
para que a inversão do ônus probatório, é necessário que seja constatada a
verossimilhança para que possa o juiz declarar a inversão do ônus da prova,
assim deverá haver indícios de que a versão da parte, seja verdadeira,
trabalhando o juiz com relatos do passado, tidos como verdadeiros, levando em
conta indícios que possibilitam ao juiz associar um fato comprovado com outro
alegado.
Assim,
para a inversão das provas é importante que estejam presentes a verossimilhança
ou hipossuficiência do consumidor, como
ensina o Professor Humberto Theodoro Junior que diz: "sem basear-se na
verossimilhança das alegações do consumidor ou na sua hipossuficiência, a
faculdade judicial não pode ser manejada em favor do consumidor, sob pena de
configurar-se ato abusivo, com quebra do devido processo legal."
(THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 2ª ed.,Ed. Forense, 2001, p. 134.).
Ainda mesmo que constatada a hipossuficiência e
a verossimilhança das alegações do consumidor, fica a critério do juiz a
inversão do ônus da prova, podendo assim o juiz, se achar necessário, seguir o
disposto no Código de Processo Civil.
3 Competência
para inversão do ônus da prova.
O
juiz, analisará com base na incidência de um ou de ambos os requisitos, a
possibilidade da inversão da prova, porém a divergência da doutrina quanto ao
momento adequado para se aplicar as regras de inversão do ônus da prova,
havendo duas correntes que se dividem entre a regra de julgamento e como regra
de procedimento.
A
inversão do ônus da prova pode ser feita de oficio, conforme posição de Roberto
Basilone Leite.
“ Note-se que a própria norma que atribui ao Juiz a
faculdade de inverter o ônus da prova já delimita a margem de
discricionariedade a ele reservada: portanto, se a alegação do consumidor for
verossímil, o Juiz não pode deixar de inverter o ônus probandi, por se tratar
de um direito da parte e não de uma faculdade ilimitada do Juiz. O que cabe ao
julgador é unicamente dizer se há ou não verossimilhança na afirmação do autor
consumidor, só podendo exigir dele a prova dos fatos Constitutivos do direito
se entender que suas alegações são inverossímeis. Por outro
lado, quando o consumidor for hipossuficiente “segundo as regras ordinárias da
experiência” o ônus da prova inverte-se de plano, por força de expressa
determinação legal contida no art. 6°, inciso VIII, do Código, não podendo o
Juiz indeferir tal providência.” (LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor. 4 ed., São Paulo, SP: Ltr,
2005, pag. 109).
Ainda
pode ser requerida a inversão do ônus da prova pela parte, podendo a mesma
solicitar ao juiz, diante da não manifestação do mesmo, que o fornecedor tenha
que comprovar que não há direito do consumidor, podendo assim ser invertido o
ônus da prova por requerimento ou de oficio do juiz, conforme posição de Carlos
Roberto Barbosa Moreira:
“A inversão poderá ser determinada tanto a requerimento da
parte, como de ofício: tratando-se de um dos "direitos básicos do
consumidor", e sendo o diploma composto de normas de ordem pública (art.
1º), deve-se entender que a medida independe da iniciativa do interessado em
requerê-la. Aliás, a interpretação em sentido oposto levaria ao absurdo de
fazer crer que o Código, inovador em tantos passos, pela outorga de novos e
expressivos poderes ao Juiz, teria, no particular, andado em marcha-ré...” (MOREIRA, Carlos Roberto
Barbosa e outros. Direito Civil e Processo - Estudos em homenagem ao Professor Arruda
Alvim. 1 ed., São Paulo – SP:
Revista dos Tribunais, 2008, pag. 176).
4 Momento
da inversão do ônus da prova.
Há
divergência doutrinaria e jurisprudencial quanto ao momento para inversão do
ônus da prova, se destacando duas correntes: A regra de procedimento e a regra
de julgamento.
Os
doutrinários que seguem a corrente da regra de julgamento acreditam que o
momento correto para inversão da prova seria anterior a sentença, para que o
fornecedor tenha direito de se defender, exercendo assim o devido processo
legal e preservando o contraditório, podendo se defender para que não seja
proferido pelo juiz a decisão de inversão do ônus da prova, assim entende
Humberto Theodoro Junior:
“ No art. 6º, nº VIII, o CDC
não instituiu uma inversão legal do referido ônus, mas, sim, uma inversão
judicial, que caberá ao juiz efetuar quando considerar configurado o quadro
previsto na regra da lei. [...] É certo que a boa doutrina entende que as
regras sobre ônus da prova se impõem para solucionar questões examináveis no
momento de sentenciar. Mas, pela
garantia do contraditório e ampla defesa, as partes, desde o início da fase
instrutória, têm de conhecer quais são as regras que irão prevalecer na
apuração da verdade real sobre a qual se assentará, no fim do processo, a
solução da lide. Assim, o art. 333 do CPC em nada interfere sobre a
iniciativa de uma ou de outra parte, e do próprio juiz, enquanto se pleiteiam e
se produzem os elementos de sua convicção. Todos os sujeitos do processo, no
entanto, sabem, com segurança, qual será a conseqüência, no julgamento, da
falta ou imperfeição da prova acerca dos diversos fatos invocados por uma e
outra parte.” (THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 2ª
ed.,Ed. Forense, 2001, pp. 140 e 141.).
Há
posição nesse sentido do Supremo Tribunal de Justiça, que diz:
”[...]
- A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de
Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo
Civil, sempre deve vir
acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para
tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a
aplicação da regra só quando da sentença proferida.” (STJ. REsp 881651 / BA. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa.
Data do Julgamento: 10.04.2007. Votação Unânime)
Já
a corrente da regra de julgamento, diz que deve a inversão do ônus da prova ser
declarada em sentença, uma vez que, trata-se de favorecimento a defesa do
consumidor e assim ao não produzir a prova o fornecedor está assumindo um risco
por não produzi-la, sendo assim não há para esta corrente qualquer contradição
ao principio do devido processo legal, pois a parte teve em momento processual
determinado, a chance de produzir provas e não o fez. Adepto a esta corrente,
diz José Geraldo Brito Filomeno, na obra de Ada Pellegrini:
“A inversão do ônus da
prova é direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o
oferecimento e valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida". (GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. 7.ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p.
130.)
Ainda
há posição do Supremo Tribunal de Justiça, que contradiz julgado anterior, se
manifestando a favor da regra de julgamento:
“[...] A
inversão do ônus da prova, prevista no Art. 6º, VIII, do Código de Defesa do
Consumidor, é regra de julgamento. – Ressalva do entendimento do Relator, no
sentido de que tal solução não se compatibiliza com o devido processo legal.”
(Resp 949.000/ES, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/03/2008)
Por
se tratar de uma exceção prevista em lei, a corrente majoritária segue a regra
de procedimento e assim entende que deve a parte ter direito a se manifestar
quanto a inversão do ônus da prova e assim poder produzir as provas que achar
necessário para sua defesa, não sendo prejudicado o fornecedor, por exceção
prevista em lei, que depende de entendimento do juiz para ser aplicada.
5 Conclusão
Pode
se concluir que a inversão do ônus da prova é uma exceção prevista em lei, que
pode ser declarada de oficio ou a requerimento da parte, que visa proteger o
consumidor mediante o poderio econômico, social e intelectual que o fornecedor
tem.
Para
que seja declarada a inversão do ônus da prova, deve ser analisado o caso e
haver verossimilhança na alegação do autor, ou ainda, deve haver
hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor, devendo ser a declaração da inversão do ônus da prova
declarada antes da sentença de forma que possibilite o autor de se manifestar e
exercer o devido processo legal
Bibliografia.
-
AGUIAR, Juliana Leite Araujo de. Inversão do ônus probatório prevista no
artigo 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Considerações sobre
o momento processual mais adequado para sua determinação.Jus Navigandi,
Teresina, ano 15, n. 2604, 18 ago. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17210>.
Acesso em: 25 nov. 2011.
-
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. 7.ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
- LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor. 4 ed., São Paulo, SP: Ltr,
2005.
-
MATOS, Cecília. “O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor”. Revista de
Direito do Consumidor. São Paulo, vol.11.
-
MOREIRA, Carlos
Roberto Barbosa e outros. Direito Civil e Processo - Estudos em homenagem ao
Professor Arruda Alvim. 1 ed., São Paulo – SP: Revista dos Tribunais, 2008.
-
THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos
do Consumidor. 2ª ed.,Ed. Forense, 2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário